Estilo Literário na Inglaterra e na América
Ensaio de E.W. sobre estilo literário, de 1955.
[Tradução publicada inicialmente em Fevereiro/23 no Medium].
Estilo Literário na Inglaterra e na América
De meados do século XVIII até meados do século XIX, foi publicada na Inglaterra uma série de projetos arquitetônicos para uso de construtoras locais e clientes particulares. As placas exibem edifícios de tamanhos variados, desde portões a mansões, decorados em vários ‘estilos’, palladianos, gregos, góticos e até chineses. As plantas baixas são idênticas, o ‘estilo’ consiste no enriquecimento da superfície. No final desse período, foi possível até obras muito importantes, como as Houses of Parliament em Londres, serem feitas em duas mãos, Barry projetando a estrutura, Pugin revestindo-a com ornamentos medievais1. E o resultado não deve ser desprezado. Na presente metade do século, vimos arquitetos abandonarem todas as tentativas de ‘estilo’ e nossos olhos estão enojados de tédio em todos os lugares com as fachadas vazias, nada atraentes e sem encanto que surgiram de Constantinopla a Los Angeles. Mas esse uso de estilo é literalmente superficial. O estilo devidamente entendido não é uma decoração sedutora adicionada a uma estrutura funcional; é da essência de uma obra de arte.
Isso é inconscientemente reconhecido pelo uso popular. Quando alguém fala em ‘estilo literário’, a probabilidade é a de que esteja pensando em prosa. Um poema é vagamente reconhecido como existente em sua forma. Não há ideias poéticas; apenas expressões poéticas e, como observou Wordsworth, a verdadeira antítese não é entre prosa e poesia, mas entre prosa e métrica. Agora que os poetas abandonaram amplamente a métrica, a distinção tornou-se tão vaga que dificilmente é reconhecível. Em vez de dois corpos separados de escrita, devemos ver uma série de inumeráveis gradações do melódico e místico para o científico.
A literatura é o uso correto da linguagem, independentemente do assunto ou da razão do enunciado. Um discurso político pode ser, e às vezes é, literatura; um soneto para a lua pode ser, e muitas vezes é, lixo. O estilo é o que distingue a literatura do lixo. No entanto, em certos lugares, a denominação ‘estilista’ carrega um sentido pejorativo. Logan Pearsall Smith, aquele esplêndido americano, é desconsiderado com irritação, enquanto D. H. Lawrence, que escreveu mesquinhamente, é aceito como artista porque seus temas eram de interesse mais amplo e profundo. Este é um paradoxo que os críticos acadêmicos, a quem se buscaria corrigir equívocos populares, pouco fazem para resolver. Muitos de fato o agravam, pois há um puritanismo à espreita em Cambridge (Inglaterra) e em muitas partes do Novo Mundo, que está sempre pronto para condenar o prazer mesmo em sua forma mais pura. Se isso parece questionável, considere o caso de James Joyce. Era um escritor que tinha estilo. A sua obra posterior perdeu quase toda a habilidade de comunicação, tão íntima, alusiva e idiossincrática que se tornou, tão obcecada pela eufonia e pela nuance. Mas porque ele era obscuro e só pode ser lido com intenso esforço intelectual — e, portanto, sem prazer fácil — ele é admitido no cânone acadêmico. Mas é justamente nessa tarefa de comunicação que o estilo de Joyce falha, pois os elementos necessários do estilo são lucidez, elegância, individualidade; essas três qualidades se combinam para formar um conservante que garante a maior aproximação com a permanência na arte fugitiva das letras.
Lucidez não implica inteligibilidade universal. Henry James é o mais lúcido dos escritores, mas não o mais simples. As declarações mais simples em direito ou filosofia são geralmente aquelas que, quando aplicadas, requerem o maior conjunto de comentários e provocam amplo debate. Muito do que vale a pena dizer deve sempre permanecer ininteligível para a maioria dos leitores. O teste de lucidez é se a declaração pode ser lida como significando algo diferente do que ela pretende. As ordens militares devem ser, e muitas vezes são, modelos de lucidez. A correspondência dos empresários é repleta de ambiguidades.
A elegância é a qualidade de uma obra de arte que transmite prazer direto; novamente, não prazer universal. Existe um enorme e invejoso mundo para quem a elegância é positivamente ofensiva. O inglês é incomparavelmente o mais rico dos idiomas, morto ou vivo. Pode-se dedicar a vida a aprendê-lo e morrer sem alcançar a maestria. Não há duas palavras idênticas em significado, som e conotação. A maioria dos falantes de inglês se atrapalha com um vocabulário minucioso. Para eles, quaisquer palavras que não sejam de uso vulgar são ‘extravagantes’ e, talvez, foi em ignóbil deferência às suas suscetibilidades que houve um abandono notável da magnificência na escrita inglesa. Sessenta anos atrás, quando a ‘prosa adornada’ estava na moda, havia alguns esforços pretensiosos de boa escrita que eram ridículos. Houve uma reação inevitável, mas examinando a sombria perspectiva hoje, pode-se reconhecer que esses absurdos são um pequeno preço a pagar pela magnificência dos mestres anteriores. Quando ouço a palavra ‘exagerado’, suspeito do puritano. O homem que consegue apreciar a decoração frágil e fantástica de Nápoles tem muito mais probabilidade de apreciar a grandeza do barroco Romano do que o pedante que exige Michelangelo ou nada. É uma questão de gratidão que a moderna escola de críticos não esteja disposta a compor uma frase agradável. Isso limita muito o dano que eles causam.
A individualidade precisa de pouca explicação. É a caligrafia, o tom de voz, que torna uma obra reconhecível como sendo de um determinado artista (ou, em raras décadas de cultura altamente homogênea, de um determinado conjunto).
A permanência é o resultado do que escrevi acima. O estilo é o que torna uma obra memorável e inconfundível. Lembramos dos falsos julgamentos de Voltaire, Gibbon e Lytton Strachey muito depois de terem sido corrigidos, por causa de sua forma nítida e polida e por causa dos prazeres sensuais de se pensar neles. Chegam a nós, não apenas como palavras impressas, mas como uma experiência viva, com toda a força de outro ser humano encontrado pessoalmente — isto é, porque são lúcidos, elegantes e individuais.
Entre os escritores vivos de prosa inglesa, poucos são os que tentam a magnificência. A grande autobiografia de Sir Osbert Sitwell em cinco volumes e os estudos históricos de Sir Winston Churchill estão quase sozinhos nesse campo e os últimos, embora altamente dignos de crédito para um homem com tanto mais para se ocupar, realmente não sobrevivem a uma atenção especial. Eles raramente podem oferecer o prazer estético agudo e inconfundível do artista genuíno. A elegância no século atual tende a ser modesta. Não temos voz de órgão para rivalizar com a de Sir Thomas Browne, mas temos um volume de música requintada e assombrosa. Sir Max Beerbohm e Mons. Ronald Knox; cada um está no ápice de sua própria arte. Eles diferem em escopo. Onde tentam as mesmas tarefas, na paródia, são iguais e supremos sobre todos os competidores. Sir Max se confirmou nas artes; Monsenhor Ronald Knox vai mais alto, às regiões mais elevadas do espírito humano. Seu ‘Entusiasmo’ deve ser reconhecido como a maior obra de arte literária do século. Abaixo desses dois mestres há uma companhia honrosa de artesãos muito bons, nenhum, devo admitir, em sua primeira juventude. E. M. Forster, particularmente na primeira metade de ‘Pharos and Pharillon’, estabeleceu um modelo de lucidez e individualidade em que a elegância é tão discreta que passa despercebida por alguns leitores. Curiosamente, não é nas universidades que se encontra a escrita; Sir Maurice Bowra é culto e lúcido, mas enfadonho; Lord David Cecil é gracioso, mas sem gramática; Sr. Isaiah Berlin é difuso e loquaz; Sr. Trevon-Roper vulgar. Entre os críticos da imprensa, o padrão é mais alto. O Sr. Raymond Mortimer nunca falha. O Sr. Cyril Connoly conseguiu alguns efeitos adoráveis. Entre os romancistas, Anthony Powell, Graham Greene, Miss Comption-Burnett e Henry Green, todos têm estilos intensamente pessoais e belos. Nunca se poderia confundir uma página de sua escrita com a de outra pessoa.
Deve-se notar que todos esses exemplos são extraídos da Inglaterra. Logan Pearsall Smith escreveu:
“E a América, a terra onde nasci, a América! (…) A juventude tem seus sonhos, seus anseios de distinção; entre todos os rapazes e moças ansiosos daquele vasto país… em nenhuma dessas cidades retumbantes ou universidades multitudinárias, nunca ocorre a ninguém, eu me pergunto, que o instrumento de fala que eles usam o dia inteiro tenha ressonâncias dentro dele de beleza inimaginável? … O cetro de ouro do estilo doura tudo o que toca e pode tornar imortais aqueles que o agarram: a nenhum desses jovens aspirantes o pensamento jamais sugere a si mesmo que pode ser uma aventura entre aventuras tentar empunhar aquela varinha? … Do ponto de vista do estilo, todo o continente poderia afundar no mar e nunca deixar uma ondulação.”
Isso foi escrito em 1934. Podemos hoje qualificar o julgamento como severo? Há o Sr. Hemingway. Ele é lúcido, individual e eufônico. Ele impôs limites aos seus poderes que apenas um mestre pode sobreviver. Ele conquistou a maestria, mas à custa de uma triste ninhada de imitadores. O Sr. Faulkner tem individualidade e nada mais. Talvez as línguas dos dois continentes tenham se separado tanto que é impossível para um inglês captar as nuances da dicção americana. A esta grande distância, parece que existem apenas estilos editoriais — um estilo bastante bom e seco em The New Yorker, um estilo muito pobre na Time — e às vezes suspeita-se que a austeridade foi imposta aos colaboradores para que não se desvie a atenção para o texto mais luxuoso dos anúncios. Os críticos americanos, acredito, estão impacientes com os ares e as graças dos escritores ingleses. É um dos grandes abismos entre nossas duas civilizações que cada uma considera a outra efeminada. Para o americano, os escritores ingleses são como solteironas empertigadas, inquietas com a porcelana, escrupulosas quanto ao bom gosto e interiormente cheias de paixões frustradas, tépidas e perversas. Vemos os americanos como adolescentes joviais, repetitivos e cheios de gírias, às vezes bastante desagradáveis em seu gosto pela violência e palavrões. A diferença, eu acho, é isso. Todos os meninos ingleses, do tipo que agora são escritores, aprenderam latim desde os nove anos. Poucas garotas o faziam. Os meninos não se tornaram estudiosos maduros, mas adquiriram um senso básico da estrutura da linguagem que nunca os abandonou; eles aprenderam a escanear métricas bastante elaboradas; eles aprenderam a compor versos latinos. As meninas aprendiam francês e eram elogiadas pela volubilidade idiomática. Quando cresciam, escreviam como se estivessem tagarelando ao telefone — muitas vezes de maneira muito bonita, como a srta. Nancy Mitford. Consideramos esse tipo de escrita feminina e essa é a qualidade que encontramos nos escritores americanos do sexo masculino, que, acredito, aprendem latim mais tarde, mas muitas vezes nem isso. Mas, nas escolas protestantes da Inglaterra, o latim não é mais universalmente ensinado. Pode ser que na próxima geração apenas os meninos das escolas jesuítas e beneditinas continuem a tradição da prosa inglesa.
Uma coisa tenho como certa: um escritor, para se desenvolver, deve preocupar-se cada vez mais com o estilo. Ele não pode esperar interessar a maioria de seus leitores em seu desenvolvimento. É o seu próprio interesse que está em jogo. O estilo sozinho pode evitar que ele fique entediado com seu próprio trabalho. Na juventude, o bom humor leva as pessoas a ler um ou dois livros. O mundo está cheio de descobertas que exigem expressão. Mais tarde, um escritor deve enfrentar a escolha de se tornar um artista ou um profeta. Ele pode se fechar em sua escrivaninha e egoisticamente buscar prazer no aperfeiçoamento de sua própria habilidade ou pode andar de um lado para o outro, ditando sentenças e exortações sobre os assuntos do dia. O recluso à escrivaninha tem poucas chances de proporcionar prazer permanente aos outros; o jornalista não tem nenhum.
Books on Trial, 1955.
Charles Barry e Augustus Pugin foram os arquitetos responsáveis pela reconstrução do Palácio de Westminster, que abriga as duas casas do Parlamento Britânico (House of Commons e House of Lords).
‘Deve-se notar que todos esses exemplos são extraídos da Inglaterra.’ Waugh, seu fdp coberto de razão.